O Caçador de Sombras – A Lenda de Heldorick (Capítulo 1)

Fala galera!

Aqui quem fala é o Pedro Borges, eu sou o novo colunista do lag e vou trazer para vocês crônicas, contos e textos diversos semanalmente.

E pra começar estou postando o primeiro capítulo do livro com o qual estou trabalhando no momento, no maior estilo fantasia medieval e em um cenário próprio. Dependendo da opinião pública posso continuar a postar os capítulos ou partir para outros projetos, por isso o feedback é importantíssimo. Do mais é isso galera, espero que gostem.

Arte da capa por: Eliandro (ale_tista@hotmail.com)

***

“Então os seis sábios cairão perante o rei que se levantará das terras geladas do norte; somente sob o comando daquele que controla o fogo as nações se unirão, e a luz talvez vença a escuridão absoluta enquanto esta ainda é crepúsculo”

(O livro de Galateah)

PREFÁCIO

Toda Gálea se estremece, a paz estabelecida há gerações mais uma vez está ameaçada. Os seis reinos quebraram seu acordo de paz há treze anos e agora os sábios perderam sua influência nas decisões do estado. Em todos os reinos, militares tomaram o poder facilmente argumentando “ter de proteger o reino da ameaça estrangeira”, recursos foram drenados em gastos com armamento, em algumas cidades as pessoas começam a passar fome. Com governantes obcecados numa guerra fria sem sentido, o povo fica dividido entre ajudar si mesmos ou apoiar o exército.

Darkah, a cidade dourada, ainda permanece sobre a mão forte de Heremon, o único sábio que ainda possui sua influência sobre o estado inabalada. A população de Darkah permanece alienada à grande crise política e econômica que se instala em toda Gálea. Heremon se preocupa com seu povo, mas tentativas e acordos de paz não funcionam, mensageiros enviados retornam na ponta de uma lança, ou retornam aos poucos, tendo seus pedaços soltos próximo aos portões da cidade, para desespero dos familiares.

Neste momento, um grupo independente de adoradores da justiça começa a se mover, eles ainda têm fé na profecia de Galateah, e por sete anos procuram o “dominador do fogo”, aquele que trará a paz para este mundo, eles temem que já seja tarde, quanto tempo demorará até que a escuridão corrompa tudo que há?

I

O homem de preto, que traz a luz da verdade

 

— Alto! Quem vem lá!

— Não trema tanto cavaleiro, escuto o estalar da sua armadura aqui de baixo, deixe me entrar, tenho assuntos a tratar com o seu rei.

— Ei novato! Por acaso enlouqueceu, abra logo o portão! Não percebeu as vestes daquele homem! Ele é um profeta! — percebendo o tamanho da tolice que estava fazendo, o jovem ajudante se prontificou logo em girar a pesada manivela, abrindo assim o portão, não sem antes prestar bastante atenção nas vestes daquele estranho homem. Ele se vestia completamente de preto, com uma capa de viagem pesada compondo o visual soturno, o que se tirava em destaque a toda escuridão de suas vestes eram seus longos e brancos cabelos (apesar de não aparentar ter sequer trinta anos) amarrados em um indefectível rabo de cavalo, além de uma venda negra cobrindo os olhos — Seria ele cego?— Indagava o jovem a si mesmo, abriu enfim o portão.

Apesar de já ter visitado Darkah muitas vezes, Klaus ainda se impressionava com a mesma toda vez. O título de “cidade dourada” não veio de graça, sob a luz do sol da tarde os imensos prédios de arquitetura arrojada, com suas formas arredondadas absorviam a luz do sol, o que proporcionava a todo entardecer um status de cartão postal. Do alto, imensas estátuas de forma humanóide pareciam observar a todos, pelas ruas amplas já começava uma espécie de comércio noturno, a luz amarelada que vinha dos postes alimentada com querosene dava às barracas um colorido diferente.

Em uma carruagem, Klaus se via agora em frente ao palácio real, tão elegantemente ligado aos prédios vizinhos que não se podia distinguir o começo de um e o fim do outro. A noite já reinava, mas dentro do palácio sempre era dia, tamanha a qualidade e intensidade da iluminação.

—Saudações Milord, disse Klaus de joelhos perante o rei, que se encontrava confortavelmente instalado em um trono dourado, bem no meio do imenso salão.

—Poupe-me dessas formalidades Klaus, você é mais digno de estar aqui sentado do que eu.

—Não se subestime Milord, o povo conta histórias suas a gerações…

—Isso foi há sessenta anos, agora não passo de um velho medíocre. Mas enfim, você não veio a Darkah apenas para apreciar a arquitetura não estou certo? O que o trouxe aqui?

—De fato Milord, mas o senhor já deve saber bem o que procuro aqui — Klaus tirou o sorriso do rosto denotando a seriedade do assunto introduzido — Vim para ver o garoto.

— Por favor, Klaus! Já respondi a inúmeras propostas da ordem, e agora eles me mandam você?! Meu deus ele é só uma criança! Aquilo é só um defeito de nascença, nada mais! Procurem seu salvador em outro lugar!

— Desculpe, mas não concordo com Vossa Alteza, temos que procurar em todos os recipientes, eu sei que ele já passa por algumas “transformações” e gostaria de leva-lo à ordem para avaliação. Eu acho que ele próprio pode confirmar o que disse, não estou correto Heldorick?! Saia de trás da porta, você não engana ninguém, percebi você ai desde que cheguei.

Do outro lado do salão uma pesada porta se abre ruidosamente. Dela sai um garoto, ainda jovem, não aparentando ter sequer vinte anos, cabelos loiros, curtos e desarrumados em contraste à suas elegantes vestes folgadas e de seda pura. O que mais se distinguia no garoto eram seus olhos, de uma cor púrpura intensa. Seu olhar a princípio era de espanto, logo depois se acalmou e agora olhava fixamente o homem a metros de distância, ele se aproximou. Apesar de vendado a estranha figura parecia que enxergava sua alma, que estudava cada movimento seu.

—O que tenho de tão importante? O que esse homem quer de mim vovô?!

—Eu suspeito que você seja quem procuramos garoto, o controlador do fogo…

—Esta perdendo seu tempo — Interrompeu Heldorick — Se quer um dráconi deve ir até Suman, encontrará controladores de fogo aos montes lá.

— Não é um dráconi quem procuro garoto, dráconis não tem a pele branca como a sua, apesar de que os olhos são os mesmos.

O jovem abaixou a cabeça, podia sentir os olhos do misterioso homem por através da venda, chegava a pesar em seus ombros, sentiu um mal estar súbito, sua cabeça girava.

— Heldorick! Heldorick! — Estava perdido em lembranças.

— Heldorick! Acorde ou vai se atrasar para a aula!

— Mas mãe, ainda é muito cedo… Além do mais porque eu não posso ter aula com as outras crianças? É muito chato esse negócio de “aulas especiais”…

— Meu filho, você está sendo educado para ser um governante, é obvio que sua educação há de ser diferente, superior.

O jovem garoto ainda com a cara fechada se via agora caminhando pelos imensos corredores do palácio, era de manhã e a luz da alvorada se harmonizava com as belíssimas colunas de mármore. Conforme andava, o jovem Heldorick prestava atenção na imensidão que a sacada lhe permitia ver, as grandes torres de Darkah contrastavam com o horizonte, escondendo-o e ao mesmo tempo o preenchendo, abrindo espaço para a imaginação fértil de uma criança, quanto ainda não tinha visto, “ainda me livrarei dessa prisão” pensava consigo enquanto caminhava. Heldorick não entendia ainda muito bem o seu papel como príncipe, de fato ainda era uma criança, a vista privilegiada do garoto acabara e agora adentrava por entre imensos corredores fechados, porém bem iluminados, parou em frente a uma porta dupla, cadernos e livros em mãos. Abrindo a porta o garoto entrou no que parecia uma sala de aula, à frente um homem alto e usando uma capa preta escrevia fórmulas no quadro negro.

— Atrasado.

— Tenho o dia todo para aprender idiotices com você, senhor… — Heldorick percebe algo errado — um minuto, quem é o senhor?! Onde está a senhorita Janeth?

O homem de capuz se vira lentamente, em sua mão uma cabeça humana.

— Mãe!!! — O terror toma conta de seu corpo, as palavras sequer são formadas em sua mente, quem dirá pronunciadas. Uma risada soturna ecoa de dentro do capuz que ainda encobre o rosto da estranha figura.

— Salvador do mundo, por dentro não passa de um moleque… — o capuz é retirado, e uma face perturbadora é revelada. Não há pele em seu rosto, seu crânio é completamente exposto, olhos vermelhos e brilhantes reluzem nas órbitas. O jovem garoto fica paralisado de medo, e um grito de desespero ecoa por todo o palácio.

— Heldorick! Heldorick! Graças a Deus! Você está bem?

— Sim, eu estou vovô. Minha cabeça dói, o que aconteceu?

— Klaus te salvou. Você desmaiou meu neto, estava se debatendo no chão.

— Como assim me salvou?! Explique-se!

— Heldorick! Isso é jeito de falar?! Você sabe quem é esse…

— Tudo bem majestade — Klaus interrompe — Eu me explicarei. Tudo a seu tempo.

 

***

            A noite cai pesada, e como se estivesse convidando todos a sair exibe seu vestido mais deslumbrante, despejando um manto de estrelas sobre o céu. Mas como todo bom conhecedor da cidade portuária Tessa, noites estreladas aqui nem sempre são sinônimo de boa coisa, geralmente banhadas em sangue. Tessa é uma das cidades mais importantes do reino de Midora, aqui escoa boa parte da produção de grãos, sendo imprescindível para abastecer Darkah bem como outras cidades. A guerra-fria que aqui se instaurou plantou rancor e desconfiança no coração das pessoas, mas essas mesmas pessoas continuam a ter suas necessidades habituais, e onde há necessidade e demanda, o comércio se estabelece.

Detentora de boa parte da população de índole duvidosa de todo o reino, Tessa possui todo tipo de habitante. O porto bastante movimentado, diga-se de passagem, a primeira vista não parece ter tanta importância sendo estabelecido sob as águas fétidas que rodeiam as docas, com uma madeira podre estalando sobre as botinas dos passantes, vez por outra cedendo, fazendo com que o silêncio dê lugar a gargalhadas espalhafatosas e roucas de marinheiros bêbados escorados em algum canto.

O pequeno e rústico bote levitava sobre as águas negras e fétidas de Tessa.

— O senhor tem certeza que deseja ancorar aqui senhor? Indagou o marinheiro, guiando debilmente o bote até o cais.

— Sim, claro. Aqui está perfeito — Respondeu o estranho senhor de roupas elegantes expressando um sorriso amarelado e tão sinistro quanto a noite que já reinava no porto — Está tudo perfeito.

— Se o senhor diz, então deve conhecer a fama do porto, ainda mais na sua idade avançada, com todo o respeito é claro. Se não conhecer devo alertá-lo, e digo mais, por uma pequena quantia a mais guio o senhor aonde precisar, não sou grande coisa mas quebro o galho até um ponto mais a frente, mais seguro.

— Não há necessidade — O bote aportou no cais — Não irei muito longe, aqui está o combinado, passar bem — Disse colocando a elegante cartola preta.

Os sapatos do distinto senhor estalavam contra a madeira do cais com uma batida constante, apesar de um tanto fraca, mas numa combinação quase musical com a bengala que portava. Ao longe ouvia-se gritos de farra e bebedeira, onde os cansados homens do mar afogavam suas mágoas, tragédias e alegrias também porque não, uma vez que as belas prostitutas de Tessa, famosas muitas léguas adiante são capazes de seduzir até o último centavo de marinheiros mais alegres, às rondas com qualquer negócio promissor.

— Hoje está tudo perfeito, tudo perfeito! Repetia constantemente o estranho senhor, que agora parado em frente a uma tampa de bueiro vasculhava entre um pesado molho de chaves, escolheu uma enfim e a retirou, largando-a no bueiro a sua frente.

Enquanto andava tranqüilo, quase que levitando sobre as ruas de pedra do porto, ao longe os gritos de alegria iam diminuindo e os gritos de agonia e desespero começavam a dominar tudo ao redor. O senhor, indiferente a todo o desespero, desordem e caos ao seu redor, parecia apreciar, como quem aprecia a uma sinfonia sendo executada. Um jovem corre em agonia, gritando frases incompreensíveis, segurando fortemente o braço, seu rosto com feições distorcidas pela dor.

— Me ajude por favor! — O jovem urrava para os quatro ventos, seu braço com as veias saltadas, a pele trincada, rachada, quase em carne viva, como um terreno que a muito não recebe água.

— Alegre-se meu jovem, veja a noite, escute a música, tudo está esplêndido, perfeito.

***

            Klaus contemplava a esplêndida vista à sua frente, o brilho da lua dava aos prédios uma luz pálida. Pensava agora no quanto Darkah se parecia com um forno apagado quando chegava a noite, por cima as cinzas de cor pálida, mas quando se observa por dentro as ruas ainda brilham em tons avermelhados como brasas. Tanto estava entretido com o horizonte que mal percebeu quando Heldorick se aproximou.

— Boa noite. Expressou Heldorick num tom tímido.

— Muito boa noite meu jovem, vejo que se recuperou bem.

— Graças ao senhor, meu avô me contou o que aconteceu. O que foi aquilo?

— Aquilo foi um feitiço meu caro, e pelo trabalho que tive para reverter e impedir seu efeito diria que um dos mais bem executados que eu vejo há anos.

— E qual era o objetivo?

— Dano cerebral. Modéstia à parte, se não fosse por mim você estaria no chão com o QI menor que o de um vegetal. Poderia explicá-lo melhor o que fiz, mas isso me consumiria pelo menos dois anos lhe ensinando mentalismo.

— Mentalismo?

— Sim, magia da mente. Para potencializá-la ou prejudicá-la de qualquer forma que se queira.

— Entendo. Mas não é bem isso que vim perguntar — e num tom mais sério — O que você quer de mim? E melhor, por que eu fui atacado?

— Digamos que os parâmetros da minha missão sejam confidenciais garoto, teria de levá-lo até a ordem após um teste conclusivo executado aqui mesmo.

— E como seria esse teste?

— Também não devo falar. Se estiver interessado me espere amanhã no salão principal logo que o sol nascer. Pense bem e com calma. Vou me retirar agora, boa noite.

Quando o primeiro raio de sol rasgou a escuridão do horizonte Heldorick já se encontrava de pé e pronto, não sabia ao certo se estava pronto o suficiente, e o quanto o suposto teste exigiria dele mas estava, de certa forma, preparado.

Sem muito atraso Klaus também se encontrava no salão principal. O rei e alguns guardas acompanhavam de longe o processo.

O homem soturno parecia aflito, andava de um lado a outro, cajado em mãos e rosto apreensivo. O sol já estava alto e passeava de um canto a outro das imensas janelas, dando à arte do salão um colorido único. Enfim disse sua primeira frase:

— Tome, segure isso — Disse atirando um bastão para Heldorick — Sabe usar certo?

— Sim, já tive algumas aulas. Então vai ser um combate certo?

— Digamos que sim — Disse Klaus mordendo os lábios, aflito.

— Alguma coisa errada senhor?

O garoto mal terminou a frase e um estrondo irrompeu por todo o salão, uma imensa pedra desceu arrebentando a abóboda fazendo um barulho ensurdecedor.

— Mas que diabos está acontecendo aqui!

O imenso monólito de pedra, para a surpresa de todos começou a se mover, como se quisesse se “levantar”. Um terror repentino tomou conta de todos no recinto quando a estranha figura tomou forma humanóide e soltou um urro que parecia vindo das profundezas de Zarza.

— GOLEM!

— Droga! Algumas vezes gostaria que as minhas visões não se realizassem… ­— Pensou Klaus em voz alta.

— O que?! Você previu isso?!

— Sem tempo para bate papo garoto, pegue o bastão e faça alguma coisa! Centurião! Vá e traga o máximo de soldados que conseguir! Milorde se esconda por favor.

A imensa mão de pedra desce impiedosa sobre Heldorick que escapa por sorte.

— Fazer alguma coisa?! Você tá de brincadeira comigo?!

Golpe após golpe, o garoto escapava por distâncias cada vez menores, enquanto Klaus parecia se concentrar numa espécie de mantra.

— Agh!  Você bem que poderia me dar uma forcinha aqui você não acha?!

— Só mais um pouco!

— Como se fosse fácil! Agh! Ok grandão, agora chega! Você vem abaixo agora!

O bastão estourou na perna da criatura como se fosse um cabo de vassoura. Mas por algum motivo que nem mesmo o próprio Heldorick entendia, o medo era o único sentimento que não lhe vinha em mente.

— Sai da frente garoto! Alehu!

E em apenas um único impulso, Klaus pulou como se seu peso não importasse para a gravidade.

Khan!

O cajado atingiu a cabeça do golem com tanta força que emitiu uma onda de choque, empurrando o ar ao seu redor. A criatura foi arremessada para trás, três toneladas de rocha atravessando todo o salão, parando finalmente em um dos pilares.

— Droga! Ele é mais durão do que parece. Preciso de mais tempo, estou contando com você Hel!

— Contando comigo?! Aquela coisa vai me matar! E que papo é esse de “Hel”?!

Já era tarde e os mantras já ecoavam pelo recinto.

— Ok, agora é só eu e você!

Um, dois golpes estilhaçando o chão. Heldorick já estava exausto e cada vez mais vulnerável. Quando o próximo golpe desceu ele simplesmente fechou os olhos e esperou pelo pior. Porém quando pôde ver de novo não era uma visão do céu que tinha à sua frente.

Heremon Longsword, seu avô, do alto de seus sessenta e oito anos sendo há cinqüenta deles conhecido e aclamado como lenda. A espada firme em seu punho cerrado, segurando talvez a força de um titã, o ataque do golem não descia um centímetro sequer. Mas apesar da força sobre-humana que empregava, Heremon ainda olhou por cima do ombro com um sorriso no rosto.

— Vai dar tudo certo Hel.

A mão esquerda do construto veio fulminante, o golpe arremessou o rei como um boneco de trapos. Heldorick mal teve tempo de processar, outro ataque descia impiedosamente sobre seu frágil corpo.

***

II

Aodh

(EM BREVE)

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