Dinheiro, sangue e batatinhas (a.k.a. Teste de Narrativa)

Fri, 8 horas da noite.
O movimento estava fraco naquele dia, era feriado e alguns dos clientes regulares foram viajar para algum local paradisíaco, compartilhando o mesmo pensamento que muitas outras pessoas tinham de que quanto mais cedo saísse, mais rápido iriam chegar ao seu destino. Aproveitando a oportunidade, o caixa da lojinha 24 horas decidiu ficar ouvindo à sua estação de rádio favorita enquanto contava o faturamento do dia. Então ele pegou seus fones de ouvido, plugou no dispositivo acoplado ao seu pulso, carinhosamente apelidado de “relógio”, sintonizou na estação, colocou os seus pés em cima da bancada e começou a mexer na máquina registradora digital, aonde o dinheiro obtido ficava guardado até alguém vir retirá-lo.
Alguns minutos depois, dois homens vestindo cada um, um gorro, um casaco repleto com marcas provenientes de seu tempo de uso, calças marrons cheias com um líquido desconhecido e botas tão detonadas quanto os casacos, entraram na loja e começaram a investigar os produtos. Percebendo a presença deles e suspeitando de suas intenções, o garoto fixou o seu olhar nos dois caras, mas logo voltou aos seus afazeres ao vê-los fazendo nada. Um homem cochicha algo ao outro e então se dirige ao balcão, perguntando:
– Aê, quanto que tá o biscoito?
– Cinco pratas. – respondeu sem virar o olhar.
O outro continua procurando algo de bom nas prateleiras, sem falar nada.
– Ô, quanto tá o salgadinho? – perguntou o outro homem, agora no meio da distância entre seu amigo e o garoto.
– Cinco pratas. – respondeu com o mesmo tom de voz da resposta anterior.
O amigo dele agora está no freezer, procurando por alguma bebida, até que encontra um engradado de cerveja. Ele pega-o, ergue-o no ar e pergunta:
– Aí, quanto que é?
– 20 pratas. – responde o garoto, já visivelmente alterado pela pertinência dos dois homens.
Chegando ao balcão, o homem dá um tapa na bancada do caixa e pergunta:
-Aí quanto que tá…
O garoto, não aguentado mais, dirige um olhar enraivecido e começa a falar:
– Vocês não sabem ver a droga das etiquetas de preço não, cace…
Antes que pudesse terminar o seu acesso de raiva, o garoto encara o homem e o fundo da arma na qual ele a empunhava em direção a ele. Percebendo a situação, ele solta um “oh”, que poderia ser facilmente traduzido em “agora ferrou!”.
– Escuta aqui – disse o homem calmamente -, é melhor você passar a grana se não quiser um buraco na cara.
Ainda não tendo processado a situação em que tinha se metido, o garoto solta um “o quê?”, apenas para se pego pelo cabelo e ter seu nariz qeubrado, batendo-o na bancada. Com a força do impacto, ele se desequilibra da cadeira e cai no chão.
-Passa a grana, porra! – disse já completamente irritado enquanto voltava a apontar a arma em direção ao garoto.
Assustado e ensanguentado, o garoto pega um dispositivo e começa a passar o dinheiro armazenado na caixa. Enquanto isso, o outro comparsa, percebendo que já havia começado o assalto, começa a pegar tudo o que vê pela frente, aproveitando também para saciar a sua fome enquanto pegava a comida.
Nesse momento, entra uma mulher de cabelos loiros, vestindo um casaco que parecia ter sido feito tendo um blazer como modelo-base, calças jeans azuis, uma camisa com alguma referência à cultura pop e usando tênis. Visivelmente distraída, ela começa a cantarolar alguma música enquanto procurava pela sua marca preferida de batatas fritas. Ao vê-la, o comparsa para com a sua pilhagem, termina de engolir o que já foi um pacote de biscoitos recheados e uma barra de chocolate, pega uma faca, escondida, na cintura pelo casaco, e a aponta para ela e disse, sem ter muito conhecimento sobre ameaças.
– Aê, belezinha, é melhor você me passar tudo se valoriza tua vida!
Ouvindo tudo, ela olha para o homem a sua frente, vê o deplorável estado em que ele se encontrava, analisa a situação e diz “ah tá”. Enquanto isso, o outro comparsa continuava ameaçando o caixa, dizendo o que ele faria se não entregasse o dinheiro. Alguns segundos depois, ele ouve seu parceiro o chamando.
– Agora não, Jimmy. Tô ocupado – responde.
– Er, chefinho… – tentando novamente chamar por ele.
– Já disse que não dá.
– Chefinho…
Irritando-se, ele se vira para dar uma bronca em seu colega de crime, mas se depara com ele ensanguentado, com um olho roxo, o nariz e uma mão quebrados e sendo mantido refém com uma espada encostada no pescoço, empunhada pela mulher.
– Ah, merda! – diz o chefe, decepcionado com o rumo das coisas.
– Eu acho melhor você desistir, porque o negócio tá feio pra você, amigo.
– Você não teria coragem. – disse o chefe, debochando da mulher.
Tentando novamente apelar para a parte humana do criminoso, visivelmente em vão, ela começa a negociar com ele, enquanto toca a espada na garganta de seu refém.
– Você desiste de tudo, aí eu solto seu amigo, deixo vocês irem e ninguém se fere… mais. – ela olhou para a cara ensanguentada do caixa e voltou a encarar o homem. Ou você pode tentar a sua sorte e aí eu garanto que vocês dois não saem vivos daqui, que tal? – disse enquanto esboçava um sorriso alegre, dando a impressão de que aquilo já era banal para ela.
– Que tal você ir se foder, hein?! – disse enquanto apontava o dedo do meio para ela.
A mulher soltou um suspiro, percebendo aonde aquilo iria acabar.
– É, acho que ele não gosta de você, cara.
Percebendo também o rumo das coisas, o comparsa tenta desesperadamente evitar o que aquela mulher faria com ele em seguida, em vão. Ela então liga a função “motosserra” da espada e corta a garganta do comparsa, saindo uma torrente de sangue que mancha o criminoso, as paredes de vidro da loja, a bancada e o caixa, e chuta o corpo em direção a ele. Cegado pelo sangue, ele instintivamente atira em seu parceiro, esperando acertá-la também. Quando ele tira o sangue do rosto enquanto tenta tira o peso de seu capanga de cima dele, ele percebe que a mulher está abaixada, tanto para desviar das balas quanto para pegar impulso para o próximo golpe. Tendo tempo apenas para pensar no porquê daquilo ter acontecido com ele, ele vê um feixe branco de metal se aproximar dele, dividindo ele e o parceiro em quatro partes, causando uma torrente ainda maior de sangue, sujando ainda mais o estabelecimento de vermelho.
Todo mijado e ensanguentado, dessa vez não só com seu sangue, o caixa observa a mulher se levantar e limpar a espada na calça do que sobrou de um dos comparsas.
– É, a coisa tá bem feia por aqui, disse a mulher. – disse enquanto fazia a espada sumir em um flash de luz.
Olhando para o garoto, ela percebe o estado em que ele se encontrava e ela tentou confortá-lo.
– Relaxa, eu tenho a licença. – disse
Ela então foi em direção à porta da loja, pegou um saco de batatinhas fritas e perguntou:
– Quanto que tá?
Confuso, o caixa preferiu não se arriscar.
– C-C-Cinco pratas.
– Tá caro. – ela disse, dando um olha de desdém ao salgadinho e colocou-o de volta na estante.
– P-Pode levar, se quiser. – disse o garoto, tentando mostrar um gesto de gratidão pelo que ela fez.
Ela exibiu um sorriso de felicidade, pegou a batata e agradeceu, indo embora do posto como se nada tivesse acontecido.
Com o sentimento de que tudo havia acabado, o garoto sentou-se na cadeira e procurou um pouco de normalidade na sua cabeça. Apenas para tomar outro susto com a mulher, que voltou, perguntando:
– Posso pegar um refri também?